segunda-feira, 7 de abril de 2008

Texto Original - Capítulo 6

Capítulo 6

INICIANDO A COOPERAÇÃO


          Duas corporações concordaram em trabalhar em conjunto. Avaliaram o potencial de criação de valor de sua aliança e sua própria compatibilidade estratégica. E decidiram quanto a um projeto que promete intensificar a colaboração e minimizar a tensão. Tudo parece ótimo. Entretanto, parceiros iniciantes se vêem incapazes de passar do planejamento para a implementação. Por quê?
          Estes dois estão descobrindo aquilo que muitos outros já fizeram no estágio inicial da colaboração. Entre um plano de aliança estrategicamente forte e bem projetado e sua implementação bem-sucedida existem vários hiatos que os parceiros têm dificuldade em transpor. Na verdade, um triste paradoxo de muitas situações de alianças é que a complementaridade estratégica e os benefícios potenciais da co-especialização se acumulam para parceiros que são de tal forma distanciados e tão profundamente díspares que a cooperação entre eles se toma ainda mais difícil. Hiatos marcantes separam os parceiros potenciais. Encontramos esses hiatos no contexto estratégico e organizacional da aliança, no conteúdo que a cooperação deve focalizar e nos processos através dos quais a cooperação deve ser alcançada. Este capítulo investiga cada um em detalhe. Mas, em primeiro lugar, uma visão geral.

Capacitadores da Cooperação

          O contexto estratégico da aliança permite, ou impede, a cooperação plena e totalmente comprometida dos parceiros através de sua formação de significado e do escopo estratégico que cada parceiro atribui à aliança, determinado o tom do relacionamento e estabelecendo as expectativas de cada parceiro quanto ao resultado. O contexto organizacional da aliança é formado pelas maneiras preexistentes de fazer as coisas e sua compatibilidade, ou falta desta. O contexto organizacional da aliança também condiciona se e como a confiança e auto-confiança mútuas se desenvolverão entre os indivíduos envolvidos em fazer com que a aliança funcione. A tarefa e o conteúdo de trabalho concretos daquilo que os parceiros empreenderem realizar também afetam sua capacidade de cooperar. Por fim, os processos de comunicação que estabelecerem e as normas que aplicarem a suas interações também desempenham um papel.


CONTEXTO

Cada parceiro traz tanto um contexto estratégico quanto um contexto organizacional para o estágio inicial de uma aliança. O contexto estratégico de uma aliança combina três elementos:
  1. o escopo estratégico que o parceiro vê na aliança;

  2. a maneira pela qual o parceiro forma sua estrutura de referenciais da aliança;

  3. as ambições que o parceiro espera realizar dentro daquele escopo.

          O conceito estratégico coloca a aliança dentro da estratégia corporativa mais ampla do parceiro, conferindo à aliança seu escopo estratégico. Por exemplo, a SNECMA desejava diminuir sua dependência do mercado militar francês e da Dassault, o fabricante francês de aeronaves de combate. A Ciba-Geigy via nos sistemas avançados de entrega de medicamentos da Alza uma maneira de compensar sua falta de sucesso na pesquisa convencional de medicamentos, através da transformação de substâncias genéricas ativas bem conhecidas, mas difíceis de ministrar, como a nitroglicerina, em produtos proprietários patenteados. Assim, tanto a SNECMA quanto a Ciba-Geigy viram que suas alianças se encaixavam bem com suas estratégias corporativas mais amplas. O escopo estratégico deriva daí.
          O contexto estratégico também permite aos parceiros colocarem a aliança em uma ou outra categoria de relacionamentos, determinando o tom, a priori, das interações dos parceiros e oferecendo suposições quanto a sua natureza adequada. A gerência da AT&T, por exemplo, via o relacionamento com a Olivetti como o primeiro passo para uma aquisição, enquanto a Olivetti o via como um investimento minoritário de capital e uma fonte de contratos de fornecimento — duas categorias muito diferentes de relacionamentos que determinaram tons bastante discrepantes da aliança.
          Por fim, o contexto estratégico no qual os parceiros colocam o relacionamento também determina suas expectativas quanto a seus benefícios. Algumas expectativas são explícitas e compartilhadas; estas se revelaram durante o estágio de negociação da aliança e forneceram a base comum para seu início. Por exemplo, a Ciba-Geigy e a Alza foram explícitas em suas expectativas em relação ao desenvolvimento e comercialização de produtos baseados nas tecnologias de entrega de medicamentos da Alza. Quando a GE e a SNECMA uniram forças, esperavam que seu motor de porte médio impulsionasse uma nova geração de aeronaves narrow-body.
          Além de expectativas explícitas e compartilhadas, a maioria dos parceiros provavelmente possui expectativas particulares que não compartilha com seus aliados — sua revelação poderia prejudicar o relacionamento cooperativo. Estas podem se relacionar ao estado final do relacionamento. Por exemplo, os gerentes da AT&T acreditavam que sua aliança com a Olivetti levaria a uma aquisição; alguns na Ciba-Geigy esperavam aprender tecnologias importantes de entrega de medicamentos da Alza e poder dispensar o parceiro dentro de poucos anos.
          Pensamentos ou desejos secretos sobre os estados finais entre aliados não se resumem apenas às expectativas não-compartilhadas. A natureza plena da troca esperada entre parceiros pode não ser explícita. Por exemplo, alguns dos gerentes da SNECMA esperavam se beneficiar da credibilidade e da reputação técnica da GE nas vendas para as empresas de aviação. Da mesma forma, a alta gerência da Alza esperava que a reputação da Ciba-Geigy intensificasse a credibilidade de suas tecnologias de entrega de medicamentos e a ajudasse a negociar contratos lucrativos de P&D com outras empresas farmacêuticas.
          O contexto organizacional é tão importante quanto o estratégico em uma aliança. Cada parceiro projeta na aliança “sua maneira de fazer as coisas”, um conjunto de comportamentos, normas, procedimentos e rotinas. Isso inclui não apenas os processos decisórios estratégicos, mas também as rotinas de trabalho do dia-a-dia. Como a organização de cada parceiro funciona, independentemente da aliança, é importante até o ponto em que seus procedimentos usuais e informais são mais prováveis de serem aplicados tacitamente pelo parceiro dentro da aliança.
          O contexto organizacional de cada parceiro também define papéis e “âncoras” para os gerentes e profissionais que interagem com membros da organização do parceiro. Papéis organizacionais visíveis e bem definidos comunicam expectativas de comportamento ao pessoal do parceiro. Dito de forma diferente, se colaboramos com um parceiro que ainda não conhecemos bem e no qual possivelmente não confiamos, esperamos que seus gerentes e pessoal se comportem de acordo com nossa compreensão de seus papéis organizacionais. Se não se comportarem de acordo com esses papéis, ou se os papéis não forem claros para nós, seremos desorientados por seu comportamento e desconfiaremos de suas motivações e de nossa capacidade de trabalhar com eles de forma construtiva. Projetar comportamentos previsíveis “no papel” através da aliança é, portanto, um passo importante no desenvolvimento de confiança desde o início. Joint ventures muito independentes podem dar “carta branca” à gerência para que esta defina novos papéis, processos e maneiras de trabalhar, a partir do zero. Na maioria das alianças, por outro lado, gerentes e profissionais na interface mantêm um pé — quando não os dois — em sua organização de origem e tendem a seguir suas regras.
          A autoconfiança é tão importante quanto a confiança entre os parceiros no início de uma aliança. Mais uma vez, os papéis organizacionais oferecem segurança. Se os gerentes de uma empresa tiverem confiança em seus papéis dentro de suas próprias organizações, se sentirão à vontade em procurar os gerentes do parceiro. A segurança pessoal e a autoconfiança permitem que ambos se desempenhem “no papel” e saibam quando “sair do papel” quando
o sucesso da aliança assim o exige. Como veremos mais detalhadamente adiante, esta dualidade entre a segurança “no papel” e a assunção de riscos “fora do papel” ajuda a aliança a funcionar.


CONTEÚDO

A viabilidade da colaboração também é afetada pelo grau de compartilhamento de uma compreensão comum do conteúdo da aliança pelos parceiros — ou seja, da tarefa que realizarão em conjunto. A GE e a SNECMA verificaram que a colaboração era relativamente fácil porque as duas organizações compartilhavam a mesma base de conhecimentos no desenvolvimento e construção de motores para aeronaves a jato. A Ciba-Geigy e a Alza tiveram dificuldades em colaborar, em parte porque os aspectos técnicos de seu trabalho diário eram bastante diferentes. A sobreposição entre suas bases de conhecimento e tecnologia era de tal forma limitada que tentativas de aproximar as duas organizações criaram frustração.
          Sensíveis a essas diferenças, Alex Zaffaroni (fundador e CEO da Alza) e Gaudenz Staehlin (chefe da divisão farmacêutica da Ciba-Geigy) haviam concordado em minimizar a interação necessária entre as duas empresas. A Alza realizaria o desenvolvimento avançado de suas tecnologias de liberação oral retardada (OROS), o desenvolvimento total de tecnologias transdérmicas (TTS) e “entregaria” os resultados à Ciba-Geigy para testes clínicos de OROS e para sua produção e comercialização de ambos os tipos de produto. A Ciba-Geigy realizaria desenvolvimento adicional de OROS também. Embora este arranjo fosse simples e reconhecesse as diferenças de contexto organizacional entre as duas empresas, ao não exigir que trabalhassem estreitamente em conjunto, não estava à altura da tarefa. As tecnologias OROS, em especial, requeriam maior interdependência entre o desenvolvimento de sistemas (realizado pela Alza) e o desenvolvimento de aplicações (feito pela Ciba-Geigy). O processo de colaboração, em conformidade com o acordo, não previa isto. Pior ainda, a superposição de habilidades entre as duas empresas era pequena demais, e suas rotinas organizacionais, bastante diferentes para acomodar interdependência e colaboração mais estreita.
          Os problemas da aliança Alza-Ciba-Geigy enfatizam nossas observações mais amplas sobre como aliados com conteúdo parcial se sobrepõem e como contribuições muito diferentes trabalham em conjunto. Se o conteúdo daquilo que os parceiros trazem para a aliança — especialmente habilidades — for demasiadamente diferente, se sobrepuser muito pouco ou compartilhar muito pouco uma compreensão a priori, a colaboração fatalmente será difícil e improdutiva.


PROCESSO E NORMAS DE INTERAÇÃO

O processo e as normas de interação entre parceiros também determinam o sucesso da aliança. Intenções são convertidas em cooperação real através de interações. Vamos ilustrar as dificuldades desta conversão, abordando novamente a experiência da Alza e da Ciba-Geigy. Naquele relacionamento, a intensidade da interface entre parceiros fora projetada para ser mínima, refletindo o desejo de Staehlin de proteger o espírito empreendedor da Alza e refletindo o desejo de Zaifaroni de manter a integridade e autonomia da Alza. Assim, a interface inicial limitava-se a uma “conferência de pesquisa” em que pessoas de ambas as empresas podiam se conhecer, e as prioridades da aliança podiam ser estabelecidas. O progresso podia ser monitorado, e as prioridades seriam reavaliadas em reuniões periódicas de um conselho de pesquisas.
          Frustrados com o que viam como lerdeza da Ciba-Geigy no desenvolvimento e lançamento de seus produtos, e com interações informais e pouco freqüentes com suas contrapartes na Ciba-Geigy, os cientistas e gerentes da Alza começaram a passar mais tempo na Basiléia, na Suíça, na matriz da Ciba-Geigy, onde tentaram, informalmente e sozinhos, desempenhar o papel de coordenação. Nisto experimentaram altas doses de choque de cultura organizacional. Acostumados a acesso fácil a pessoas em todos os níveis de sua organização, os californianos da Alza rapidamente tropeçaram na típica formalidade suíça de seu parceiro e de suas hierarquias sóbrias de gerência e cientistas. Sabendo que a distância mais curta entre dois pontos é uma linha reta, os pesquisadores da Alza foram diretamente aos gerentes mais prováveis de lhes dar uma resposta imediata (e favorável) ou aos cientistas mais capazes de oferecer auxílio eficaz; na maioria dos casos, estes eram gerentes ou cientistas de laboratório bastante elevados na hierarquia.
          Este hábito de passar por cima das camadas de nível médio da hierarquia de seu aliado não agradava as pessoas da Ciba-Geigy mais capazes de resolver as coisas. Os gerentes seniores da Ciba-Geigy estavam distantes demais do trabalho do dia-a-dia para serem de algum auxílio, e o conflito potencial entre seus papéis como investidores e como parceiros os tornava extremamente cautelosos em suas interações com o pessoal da Alza. Cientistas individuais, e mesmo gerentes de equipes, tinham pouca autoridade na alocação de recursos, e, apesar de seu entusiasmo potencial por sistemas avançados de entrega de medicamentos (Advanced Drug Delivery Systems – ADDS), não viam muito a ganhar com o envolvimento estreito com a Alza. No final, os pretensos coordenadores da Alza tinham grande dificuldade em mobilizar apoio dentro da Ciba-Geigy. As normas e os processos de interação da Alza eram contraproducentes no relacionamento com a Ciba-Geigy; os da Ciba-Geigy não eram adequados ao desenvolvimento de sistemas avançados de entrega de medicamentos.
          Vamos dar uma olhada mais de perto em como hiatos em contexto, conteúdo e processo, tais como os enfrentados pela Alza e a Ciba-Geigy, podem ser transpostos.

O Contexto da Cooperação

          O contexto inicial de uma aliança raramente encoraja cooperação: geralmente faltam aos parceiros familiaridade, compreensão e confiança mútuas, e a ausência destas pode levar facilmente a um relacionamento adversarial. Fatalmente haverá “hiatos” entre as expectativas dos aliados e os resultados iniciais. Os parceiros podem divergir quanto a quais regras e comportamentos conduzirão ao sucesso. Tais diferenças podem levar a um hiato de referenciais em que as suposições de cada parceiro em relação à aliança sejam bastante diferentes. Os parceiros também podem nutrir expectativas diferentes ou não-realistas, levando a um hiato nas expectativas entre planos e resultados. Diferenças de estilo, valores, crenças e abordagens ao processo decisório também diferenciam aliados — o que chamamos de hiato de contexto organizacional. É certo haver também um hiato de confiança entre parceiros que podem ter dúvidas quanto a sua capacidade de fazer com que a aliança funcione e seus temores particulares quanto a seus papéis nela.


O HIATO DE REFERENCIAIS

Referenciais são um elemento essencial de contexto que influencia diretamente a colaboração. Uma estrutura referencial fornece um conjunto consistente de definições, perspectivas, regras e suposições para os gerentes. Portanto, é útil para auxiliar a “fazer sentido”, para rapidamente compreender uma situação e para acumular algumas formas de aprendizagem e excluir outras. Ao mesmo tempo, e exatamente por oferecer um receptáculo estruturado para a experiência, um referencial inadequado é pernicioso.
          O problema de referenciais inadequados é intensificado pelo fato de cada gerente de hoje ter tido alguma experiência com aquisições, alianças ou alguma outra forma de cooperação entre empresas. Poucos chegam à mesa sem um conjunto de preconceitos formados por experiência em relação à finalidade das alianças e o que as torna bem-sucedidas ou problemáticas. A experiência passada leva os gerentes e suas empresas a estruturar seus relacionamentos com parceiros de formas singulares, e estas podem ser inadequadas para a nova situação. Há muitas variantes possíveis para este problema:
  1. a estrutura referencial errada para a situação (por exemplo, uma estrutura referencial de aquisição para uma aliança);

  2. significados diferentes atribuídos a estruturas referenciais rotuladas de forma semelhante entre parceiros (por exemplo, um trata uma aliança como aquisição e ou outro, uma aquisição como aliança);

  3. estruturas referenciais diferentes coexistindo dentro da mesma organização parceira; e

  4. uma estrutura referencial emprestada de um antigo contexto e aplicada a um novo.

          Talvez o hiato de referencial mais importante decorra de os parceiros não reconhecerem a verdadeira natureza de sua parceria, ou seja, aplicarem a uma parceria suposições emprestadas por outro tipo de relacionamento, como uma aquisição ou contrato de fornecimento. Tal hiato de referencial certamente provocará tensões. Por exemplo, a maioria das empresas adquirentes, certas ou erradas que sejam, espera que a empresa adquirida aja como “nação conquistada ’ e se adapte à maneira da adquirente fazer as coisas. Uma grande empresa com várias aquisições em seu currículo freqüentemente traz este referencial para alianças com empresas menores. Este referencial viola claramente o espírito de parceria, em que cada parceiro atravessa a metade do caminho ao encontro do outro.
          Um referencial de acordo de fornecimento suscita problemas diferentes. Contratos de fornecimento geralmente encerram negociações contratuais relativas a compromissos específicos (preços, quantidades, especificações de produtos e etc.), um modus operandi que dificilmente se adequa à incerteza e complexidade enfrentadas por parcerias que objetivam alcançar novos mercados ou desenvolver novas oportunidades.
          Hiatos de referenciais constituem problemas ainda maiores quando cada parceiro estrutura referencialmente a aliança de forma diferente. Estruturas referenciais diferentes criam ambigüidade para gerentes quanto à verdadeira natureza do relacionamento e sua provável evolução. O relacionamento AT&T-Olivetti, anteriormente descrito, ressalta este ponto. A cooperação é especialmente solapada quando um parceiro — mas não o outro — toma o relacionamento como um prelúdio a uma possível aquisição. O adquirente potencial tem todas as desculpas para não buscar ativamente a cooperação, enquanto o outro parceiro tem todos o motivos para ser defensivo. Não é coincidência que alguns dos relacionamentos mais problemáticos que temos estudado, como a AT&T-Olivetti e a Alza-Ciba-Geigy, tenham sido vitimados por essas tensões, enquanto os relacionamentos mais bem-sucedidos tenham se livrado delas. Talvez a maior realização do relacionamento Fujitsu-ICL tenha sido o fato de a gerência da ICL ter dado as boas-vindas à sua evolução de aliança para aquisição. A Fujitsu havia exercitado tal indulgência e paciência ao lidar com o relacionamento que os gerentes da ICL confiavam que a Fujitsu gerenciaria a aquisição como uma aliança, não como uma ação hostil.
          De modo geral, gerentes demais tratam alianças como aquisições e muito poucos tratam aquisições como alianças. A cultura desempenha um papel nisto. Empresas japonesas são mais prováveis, por exemplo, de tratar uma aquisição como uma parceria do que as empresas norte-americanas. Esta diferença cultural pode explicar por que a Fujitsu foi tão mais bem-sucedida em sua aquisição de diferentes partes do grupo STC-ICL no Reino Unido do que a Northem Telecom (hoje Nortel), especialmente quanto à retenção de gerentes- chave que eram críticos para a manutenção de uma posição de “insider” na Grã-Bretanha. A Northern Telecom deveria ter tratado sua aquisição mais como parceria, especialmente porque buscava acesso ao mercado britânico para sistemas de telecomunicações. Lá, a retenção de gerentes com fortes relacionamentos no Reino Unido era essencial — algo que a Northern Telecom tinha dificuldades em fazer. Isto enfraqueceu sua posição na Grã-Bretanha, e a Fujitsu fortaleceu a dela, em grande parte devido a estas diferenças.
          Há ainda mais confusão quando funcionários diferentes da mesma empresa parceira utilizam referenciais. Por exemplo, a alta gerência da Ciba-Geigy compreendia a necessidade de preservar a autonomia e identidade da Alza e de interagir com a Alza com cautela. Esta compreensão não era compartilhada por todos na divisão farmacêutica da Ciba-Geigy onde muitos tomavam o relacionamento como oportunidade para uma possível aquisição. Com o cheiro de uma aquisição hostil no ar, os cientistas e gerentes da Alza, cuja cooperação era essencial para o sucesso da parceria, ficaram compreensivelmente retraídos em suas interações com suas contrapartes na Ciba-Geigy.
          Referenciais também podem se tornar obsoletos, especialmente quando parceiros passam de joint ventures tradicionais, ou consórcios, para novas formas de parceria. Temos observado este acontecimento não apenas quando parceiros transferem a mesma lógica de um contexto para ouro (por exemplo, de joint ventures no setor extrativo para alianças em tecnologia da informação), mas também quando as regras do jogo mudam ao longo do tempo dentro do mesmo contexto setorial. A Tabela 6-1 compara antigos e novos padrões de cooperação no setor aeroespacial europeu, de consórcios de programas tradicionais, nos quais a cooperação ocorria em torno de um programa de defesa de cada vez, com alianças mais permanentes motivadas pela racionalização. Fica claro que a transferência de lições de joint ventures passadas para as parcerias do futuro seria tanto inadequada quanto perigosa.
          Reconhecer a necessidade de novos referenciais para novas alianças e desaprender os referenciais herdados de colaborações anteriores talvez constituam o desafio maior enfrentado por gerentes à medida que ingressam em novas formas de colaboração. Gerentes subestimam as diferenças entre suas experiências passadas e suas novas situações. Podem evitar este problema desenvolvendo referenciais que reconheçam a complexidade e singularidade das novas parcerias. O perigo, é claro, é passar para o outro extremo: a visão de que cada parceria é de tal forma singular que lições de outras alianças não podem ser aplicadas. Cada aliança é, de fato, singular, mas os princípios que contribuem para o sucesso da colaboração são robustos e altamente generalizáveis.



          Como o hiato de referenciais pode ser transposto? O primeiro passo, é claro, é examinar a aliança através dos olhos dos outros parceiros: enxergar a(s) lógica(s) de criação de valor, as prioridades e a intenção estratégica que os motivam; aprender a respeito de colaborações passadas que podem influenciar sua visão das futuras. Compartilhar experiências de alianças passadas com novos parceiros constitui elemento importante na transposição do hiato de referenciais. Como o passado freqüentemente forma expectativas para o futuro, os parceiros devem compartilhar suas experiências em alianças passadas e suas opiniões sobre o que causou sucesso ou fracasso, e comparar sua situação a experiências passadas.
          Como segundo passo, cada parceiro deve dizer ao outro por que acredita que a outra parte está na aliança. Por exemplo, a Empresa A deve dizer à Empresa B: “Nós achamos que vocês se juntaram à aliança para aprender a nova tecnologia XYZ e esperam incorporar aquela tecnologia a suas novas famílias de produtos”. Embora o compartilhamento de impressões não vá revelar nem eliminar agendas ocultas, ajudará a circunscrevê-las. Seminários conjuntos, workshops de treinamento e coisas tais também podem desempenhar um papel útil.
          A transposição de hiatos que acontece entre os parceiros também deve ocorrer dentro de organizações parceiras. Muitos hiatos de referenciais se originam a partir de má comunicação interna, como observamos no caso Alza-Ciba-Geigy. Manter um referencial comum para uma determinada aliança, através de todos os níveis e subunidades, é fator-chave para a consistência de comportamento perante um parceiro. Na sua ausência, parceiros recebem sinais trocados. A alta gerência tem um papel-chave a desempenhar para assegurar que todos os envolvidos na aliança compartilhem um referencial comum.


O HIATO DE EXPECTATIVAS

Altas expectativas são uma fonte de problemas comum. Para tomar a aliança mais aceitável a executivos e funcionários de linha, os benefícios futuros da mesma são freqüentemente exagerados. Negociações bem-sucedidas entre parceiros também contribuem para expectativas inflacionárias. Na conclusão do negócio, é feito um compromisso do que geralmente é uma visão excessivamente otimista do futuro. Empresas podem superestimar as contribuições esperadas de seus parceiros. Cada parceiro pode superestimar propositadamente sua própria contribuição. Será que a gerência da Olivetti realmente esperava vender vários milhares de minicomputadores AT&T? Foi realista esperar que a AT&T adaptasse seu produto para o mercado europeu e desenvolvesse o software de aplicações necessário para a distribuição em larga escala? No retrospecto, as previsões de vendas dos parceiros para estes minicomputadores provaram ser otimistas ao extremo. Se parceiros se deixarem vitimar por otimismo injustificado, o desapontamento certamente seguirá. Expectativas excessivamente corajosas estabelecem uma armadilha quase que inevitável para os parceiros: como o desempenho da aliança é julgado em comparação às expectativas iniciais, plano e realidade não se encaixarão, e a aliança poderá muito bem terminar prematuramente por motivo algum senão suas expectativas iniciais excessivamente cor-de-rosa.
          Além de suplicar por realismo na avaliação inicial de uma aliança, é difícil receitar métodos para evitar o hiato de expectativas. A qualidade da avaliação inicial é a melhor garantia de que as expectativas serão alinhadas com os resultados futuros. Quanto mais robusta a lógica de criação de valor e mais compatíveis os interesses estratégicos de longo prazo dos parceiros, menos prováveis serão de abraçar expectativas irreais. A alta gerência pode desempenhar um papel aqui, permanecendo modesta em sua representação dos benefícios da aliança e lembrando a todos de quanto esforço foi exigido para obtê-los. Exagerar os ganhos e subestimar a dor geralmente constituem uma receita para o desastre.
          Outra maneira de esfriar o entusiasmo excessivo é criar uma substancial sobreposição entre aqueles que negociam a aliança e os encarregados de implementá-la. Gerentes operacionais que sabem que terão que alcançar os compromissos da aliança são menos prováveis de permitir que esses compromissos escalem.


O HIATO DE CONTEXTO ORGANIZACIONAL

A dissimilitude organizacional entre parceiros constitui ainda mais um hiato a ser transposto pelas alianças. Embora diferenças culturais e organizacionais sejam fontes óbvias de tensão, parceiros ainda poderão cooperar com sucesso se essas diferenças forem reconhecidas e superadas de forma construtiva.
          Verificamos que diferenças de contexto organizacional, freqüentemente advindas de diferenças no porte dos parceiros, fazem mais para solapar alianças do que fazem diferenças de culturas nacionais, atrapalhando os processos decisórios, dificultando o trabalho em conjunto e bloqueando a aprendizagem conjunta. A Tabela 6-2 resume os contrastes que freqüentemente observamos nas maneiras pelas quais parceiros de portes diferentes tomam decisões, a primeira causa das dificuldades criadas por diferenças de contexto organizacional.



          Tais diferenças de estilo decisório são a fonte de muitas dificuldades em alianças. Em casos que temos observado, o Parceiro B é capaz de tomar decisões muito mais rápidas do que o Parceiro A, mas não consegue explicar o raciocínio por ter chegado a uma decisão mais rápida do que seu parceiro. O Parceiro A ou aceita o Parceiro B em confiança, aceitando assim suas recomendações sem compreender seu raciocínio, ou requer uma abordagem à tomada de decisões que demanda muito mais tempo, com o risco de emperrar o processo colaborativo. Em nenhum dos casos é provável que os parceiros fiquem satisfeitos um com o outro. Se o Parceiro A simplesmente aceitar as recomendações do Parceiro B, se sentirá “forçado” a tomar decisões que não compreende; se não aceitar as recomendações de B, este ficará frustrado pela lerdeza de A e sua aparente falta de confiança. Decisões conjuntas são pouco prováveis porque os mecanismos decisórios dos dois parceiros operam em velocidades diferentes.
          Diferenças nas rotinas de trabalho dos parceiros também dificultam a colaboração. Gerentes perplexos com as rotinas de trabalho de seu parceiro são improváveis de colaborar com facilidade. Isto ficou claro na aliança entre a Alza e a Ciba-Geigy. A Alza trabalhava em um modo “aqui, agora, em conjunto”, com equipes de solução de problemas auto-estruturadas; em contraste, a Ciba-Geigy trabalhava em um modo “lá, depois, separadamente”, com passagens seqüenciais de um especialista funcional para outro. As tentativas destas empresas de montar equipes conjuntas tipicamente tropeçavam em mal-entendidos de atritos comportamentais, Essas diferenças eram difíceis de se resolve; uma vez que emergiam de diferenças fundamentais de como os parceiros organizavam o trabalho.
          Diferenças de contexto organizacional também podem bloquear a aprendizagem ou levar à aprendizagem errada. Gerentes que não se sentem à vontade com as práticas operacionais do parceiro podem se prender ainda mais às suas próprias práticas, abandonando tentativas de se ajustar à maneira de ser de seu parceiro. Por exemplo, a alta gerência da Ciba-Geigy pensava que sua empresa estava aprendendo a ser mais empreendedora através da aliança com a Alza; no nível operacional, entretanto, a aliança estava tendo o efeito contrário. Com apenas algumas exceções, os cientistas da Ciba-Geigy viam o modelo da Alza como ameaçadoramente diferente. Em vez de adotarem as práticas da Alza, a Ciba-Geigy reforçou suas próprias. O fato de o histórico financeiro e técnico não ser excepcional, e de que ela realizava pesquisas em uma área — a farmacologia — que não elicitava muito respeito de pesquisadores em outras disciplinas, foi utilizado pelos cientistas da Ciba-Geigy para descartar suas práticas diferentes. Até certo ponto, a mesma coisa aconteceu no relacionamento AT&T-Olivetti: em vez de oferecer um desafio que estimulasse a aprendizagem, a parceria reforçou o senso de superioridade de cada parceiro. Em cada um dos casos citados, os gerentes confrontados com diferenças ameaçadoras foram menos capazes de aprender do que reverter a suas próprias características.
          Um dos grandes problemas em transpor diferenças de contexto organizacional é que muito poucos gerentes compreendem suas próprias culturas organizacionais. Como diz um de nossos colegas, “A cultura mais difícil de conhecer é a sua própria”. Gerentes que cresceram dentro de um determinado contexto raramente compreendem o quão idiossincrático ele pode ser. Neste sentido, pode ser útil designar gerentes de alianças que conseguem se distanciar dos poderes determinísticos de sua própria cultura corporativa e colaborar com outros com algum grau de neutralidade cultural. Gerentes cujas carreiras abrangeram duas ou mais culturas corporativas diferentes podem ser os melhores candidatos para estas missões.
          Por fim e talvez ainda mais alarmante é o fato de que as dificuldades que acabamos de descrever levam gerentes rapidamente a serem críticos de seus parceiros e desconsiderá-los. Os comentários relacionados na Tabela 6-3 são bastante representativos daqueles feitos por gerentes em alianças problemáticas. Observe a diferença de tom entre as Tabelas 6-2 e 6-3.
          Transpor o hiato de contexto organizacional não é, portanto, tarefa fácil, e requer vários passos. Reconhecer a importância da compatibilidade cultural e organizacional é o primeiro passo. Tomar o tempo para aprender como a organização parceira opera e demonstrar a abertura mental necessária para tal é essencial. Os participantes devem se abster de atribuir seus próprios valores à organização parceira e à maneira pela qual ela opera. Julgamentos da eficácia relativa das respectivas organizações devem ser diferidos.



          Algumas empresas explicitamente alocam tempo para aprender as formas pelas quais seus parceiros funcionam. No rastro de sua experiência com a Ciba-Geigy, por exemplo, a Alza passou a exigir que seu pessoal e o de novos aliados participassem de workshops introdutórios com a finalidade de familiarizar cada empresa com a cultura e com os procedimentos operacionais efetivos da outra. Em outros casos, executivos de cada organização parceira participam dos seminários de desenvolvimento de executivos da outra. Estas troca. têm sido praticadas extensivamente pela AT&T e a Olivetti, e pela GE e a SNECMA. Como estes seminários oferecem um ambiente livre de grandes questões de negócios envolvendo altas cifras, os executivos se põem menos em guarda em suas interações. Gerentes participantes têm verificado que estas sessões oferecem uma valiosa janela” através da qual podem observar a maneira de ser do parceiro.
          A utilização de interações com o parceiro para extrair informações sobre processos organizacionais e a integração daquelas informações através de pontos de contato também são fundamentais para transpor o hiato de contexto organizacional. Embora cada interação seja apenas fragmentária, o agregado dessas experiências forma um modelo de como uma organização parceira realmente opera. Para se beneficiarem dessas interações, os gerentes reconhecem a importância de aprender como o parceiro opera e como ajustarem as diferenças que encontrarem.
          A troca de gerentes e de pessoal especializado por períodos maiores do que apenas pequenas visitas é ainda mais útil para transpor o hiato. Ao longo dos 30 anos de sua aliança, por exemplo, a Fuji-Xerox já enviou mais de 1.000 funcionários de gerência e profissionais à Xerox, em missões que duram em média três anos. O fluxo maciço de pessoal tem fornecido à Fuji-Xerox e à sua empresa-mãe japonesa, a Fuji Photo Film, insights substanciais das operações da Xerox e de sua cultura de negócios, facilitando grandemente a interface entre a parceria japonesa e sua empresa-mãe norte-americana.
          Mais do que compreensão, entretanto, é necessário para transpor o hiato organizacional. O projeto da interface entre os parceiros deve levar em conta diferenças organizacionais. Nas parcerias mais problemáticas que estudamos, o projeto da interface falhou no reconhecimento de diferenças organizacionais; nesses casos, as organizações parceiras interagiam com pouca compreensão mútua e sem amortecedores entre elas. Os resultados foram uniformemente ruins: relacionamentos a distância que eram suficientes para algumas tarefas da aliança e não para outras, e tentativas fracassadas de colaboração que prejudicavam mais do que ajudavam.
          Por exemplo, embora tanto a Ciba-Geigy quanto a AT&T tenham estabelecido “escritórios de ligação” nas dependências umas das outras, nenhuma funcionou eficazmente como “porteiro” ou “guia” em relação à outra organização. Em contraste, o “escritório de colaboração” da Fujitsu, um grupo do staff corporativo, servia como ponto de contato central e repositório de experiências de toda a empresa na gestão de alianças estratégicas e como provedor de conhecimentos especializados e treinamento em gestão de alianças para toda a empresa. Também desenvolveu uma reserva de gerentes com substancial experiência transcultural que participavam das reuniões entre gerentes da Fujitsu e do parceiro para facilitar a aproximação cultural.
          A utilização de pessoal intermediário mais forte e de gerentes de ligação pode muito bem ajudai especialmente se estes intermediários puderem ser integradores transculturais. A Eurovynil Corporation (EVC), uma joint venture entre a ICI no Reino Unido e a Enichem na Itália, por exemplo, utilizou um contador registrado britânico com anos de experiência no setor estatal italiano (verdadeiramente uma ave rara) para eliminar mal-entendidos em potencial relacionados às práticas contábeis das duas empresas. Estruturas intermediárias, como a joint venture de gerenciamento de programas estabelecida entre a GE e a SNECMA, também ajudam. Naquele caso, foram selecionados gerentes mais jovens que demonstravam potencial, sinalizando que a aliança tinha o compromisso do topo e que era um caminho rápido para posições mais graduadas. Ao longo do tempo, esta estrutura desenvolveu um quadro de gerentes seniores, tanto na GE quanto na SNECMA, todos comprometidos com a aliança, familiarizados com suas operações e conhecedores de suas contrapartes aliadas.
          Aqui observamos mais uma vez que a maneira pela qual as organizações tratam seus próprios gerentes tem um impacto na capacidade daqueles gerentes em sobrepujar hiatos de contexto organizacional. Gerentes que se sentem à vontade em suas próprias organizações têm a confiança necessária para estenderem as mãos para sua organização parceira e fazer o que o sucesso da aliança exige, em vez de se aterem a regras preexistentes. Gerentes inseguros em suas próprias organizações são demonstravelmente menos capazes de fazer isto.


O HIATO DE CONFIANÇA

O ato de aliar-se nem sempre gera confiança por parte daqueles gerentes que têm que fazer a aliança funcionar. Os funcionários podem ver a entrada em uma aliança como uma ameaça, especialmente quando a parceria for resultado de a empresa não ter conseguido ir adiante sozinha. Este foi claramente um problema para a Ciba-Geigy em sua colaboração com a Alza; seus pesquisadores tinham sido incapazes de desenvolver tecnologias de liberação prolongada. Os sentimentos de fracasso ou de inadequação disparados pela formação de uma parceria em tais circunstâncias constituem um profundo desafio para as pessoas envolvidas. Emoções são apenas exacerbadas quando uma empresa é ou será concorrente de seu parceiro e teme que suas habilidades-chave possam ser comprometidas.
          Alguns vêem alianças como ameaças a seus empregos. A co-especialização é, afinal de contas, uma forma de racionalização de negócios; duplicações podem ser eliminadas e atividades, transferidas de um local geográfico para outro. O temor de tais acontecimentos tem retardado a implementação de algumas alianças potencialmente eficazes, como a Eurocopter (a joint venture entre a Aérospatiale e a Daimler-Benz no ramo de helicópteros), ou EVC, quando implementadores-chave procrastinavam e buscavam apoio de políticos e governos locais. Observando as dificuldades apresentadas pela racionalização, e a maneira pela qual podem solapar a cooperação, alguns parceiros de alianças (a British Aerospace e a MATRA, em seu negócio de mísseis, por exemplo), empreenderam a racionalização e o downsizing separadamente antes de combinarem suas operações.
          A co-especialização em alianças também requer uma “entrega” da autonomia corporativa e, potencialmente, de competências valiosas. Assim, empresas e funcionários individuais temem que possam se tornar demasiadamente dependentes de seu novo aliado. Uma aliança poderá, portanto, criar um hiato de confiança: substituindo a autoconfiança por dúvidas, o orgulho por embaraço, a segurança pessoal pela insegurança, e a autodependência percebida pela dependência. Este hiato deve ser solucionado se os parceiros quiserem cooperar com sucesso.
          O hiato de confiança suscita um dilema difícil: o nível de compromisso e cooperação necessários para fazer com que uma aliança decole e funcione pode não ser suficiente para levar a parceria até sua conclusão. Os indivíduos envolvidos devem alcançar níveis cada vez mais altos de cooperação, refletidos em crescentes compromissos com a co-especialização. Infelizmente, o hiato de confiança freqüentemente solapa estes níveis de compromisso. Ao mesmo tempo, se os compromissos forem mantidos no mesmo nível baixo inicial, a cooperação pode estar fadada ao fracasso.

O Conteúdo da Cooperação

          Uma vez que os parceiros tenham se comprometido com a aliança com a finalidade de co-especialização ou aprendizagem compartilhada, os gerentes e especialistas técnicos individuais devem começar logo a trabalhar em conjunto em tarefas concretas que combinem suas habilidades e competências. Mas passar do amplo conceito estratégico que lançou a aliança para o trabalho real de mão-na-massa não é fácil. Algumas suposições iniciais de criação de valor podem evaporar quando examinadas mais de perto. Necessidades de novas tarefas podem aparecer inesperadamente e desafiar o projeto inicial da aliança. Em suma, os parceiros podem não ser capazes de começar a colaborar até que tenham superado os dois hiatos restantes: um envolvendo a compreensão das habilidades e outro, a definição de tarefas.


O HIATO DE COMPREENSÃO DAS HABILIDADES

Alguns meses após o início do trabalho com uma empresa parceira, muitos gerentes reclamam que as habilidades de seus parceiros não são o que deveriam ser: nós denominamos isto de “o hiato de compreensão das habilidades”. Do seu ponto de vista, as habilidades dos parceiros deixam de atender às suposições iniciais. Este desapontamento leva gerentes a acreditarem que o parceiro exagerou suas capacidades nas negociações anteriores (uma atitude que questiona a integridade do parceiro). Essas reclamações, entretanto, são freqüentemente infundadas. O verdadeiro problema, em muitos casos, não é a escassez de habilidades do parceiro, e sim nossa própria capacidade de compreender essas habilidades.
          Enquanto o otimismo, as expectativas inflacionadas e a descrição enganosa pura e simples podem desempenhar um papel no hiato das habilidades, o desapontamento também advém da dificuldade em combinar habilidades díspares. Para combinar atividades, é necessário compreendê-las, e temos observado várias alianças em que gerentes-chave e especialistas não o fizeram! Por exemplo, as habilidades da Alza no desenvolvimento de ADDS envolviam trabalho em pequenas equipes, trazendo múltiplas disciplinas para uma cooperação estrita em torno de problemas específicos de maneira informal. Embora os cientistas da Ciba-Geigy compreendessem estas habilidades de forma intelectual, tinham uma dificuldade enorme em participar de maneira informal. Da mesma forma, os executivos da AT&T compreendiam a importância do marketing estratégico na Olivetti, mas pouco podiam contribuir para tal. Estavam demasiado distantes dessas habilidades.
          Ultrapassar hiatos de compreensão de habilidades requer conhecimento da base de habilidades do parceiro. Na falta disto, a combinação de habilidades pode ser impossível. Isto é especialmente verdadeiro quando o contexto organizacional é formado pela base de habilidades e tecnologias do parceiro, ao longo do tempo. A organização da Ciba-Geigy, por exemplo, era voltada para o desenvolvimento de novos ingredientes ativos, não para as exigências de desenvolvimento de novos sistemas de entrega. Devido ao fato de aquilo que a Ciba-Geigy fazia e como o fazia serem de tal forma entrelaçados, a empresa não sabia como se adaptar às exigências da inovação em sistemas de entrega. Assim, era muito difícil para a Ciba-Geigy compreender e valorizar plenamente as contribuições da Alza.
          Ganhar familiaridade com novas habilidades não acontece da noite para o dia, especialmente nos casos em que as habilidades são tácitas e sua utilização, emergente. Por exemplo, foi relativamente fácil para os cientistas da Alza compreenderem os processos altamente formalizados da Ciba-Geigy. O inverso, entretanto, não era verdadeiro. Era ainda mais difícil para a Ciba-Geigy compreender as habilidades da Alza, e muito mais difícil descobrir como conectá-las.
          O fechamento do hiato de compreensão de habilidades se inicia com uma avaliação das habilidades do parceiro e da distância entre estas habilidades e suas próprias. Isto obviamente é mais fácil quando as habilidades dos parceiros se sobrepõem, ou quando são similares. Paradoxalmente, diversas alianças que observamos tiveram problemas porque os parceiros acreditavam que compartilhavam habilidades quando na verdade não o faziam, ou utilizavam suas habilidades de formas que as tornavam de difícil compreensão para os outros parceiros. A GM, por exemplo, em sua aliança com a Toyota, enfrentou ambas as questões: ao verem pela primeira vez os sistemas técnicos funcionando na fábrica conjunta, os gerentes da GM pensavam que poderiam ser facilmente imitados. Afinal de contas, o Kanban e outras habilidades de fabricação enxuta são simples. Somente após o fracasso da imitação técnica é que os gerentes da GM se conscientizaram plenamente dos processos sociais de gerência no chão da fábrica que permitiam resultados: estes eram muito menos visíveis do que os sistemas técnicos em si.
          Despender tempo para compreender as habilidades uns dos outros, incluindo os inicialmente menos visíveis, é crítico para uma definição eficaz de tarefas conjuntas ou coordenadas. A primeira abordagem é a de codificar cada uma das habilidades do parceiro através, por exemplo, de uma cuidadosa documentação de procedimentos. Freqüentemente, as ferramentas básicas que dão suporte a uma habilidade são acessíveis, mas aprender a utilizá-las eficazmente é difícil. Nem todo licenciado do software de gerência de resultados da American Airlines alcançará os mesmos resultados que a American Airlines, embora tenham o mesmo sistema. Na verdade, as habilidades mais valiosas buscadas em alianças talvez não se prestem à documentação. Por exemplo, as linhas aéreas de alta qualidade descobriram que precisam (re)treinar as tripulações de seus parceiros menos orientados para serviço, e fazer com que trabalhem como “aprendizes” em seus próprios vôos.


O HIATO DE DEFINIÇÃO DE TAREFAS

Por mais que seja desejável em princípio, raramente é possível, no início de uma parceria, ter uma definição operacional precisa das tarefas a serem realizadas. Assim, um hiato de definição de tarefas se interpõe ao início da cooperação. Embora parceiros saibam, em termos gerais, aquilo que desejam realizar em conjunto, raramente sabem como fazê-lo.
          Parceiros devem trabalhar em conjunto para definir tarefas conjuntas com exatidão. Aqui estão algumas sugestões para tornar o trabalho de definição de tarefas mais eficaz.
  • Compartilhe informações operacionais sobre habilidades, não apenas descrições.

  • Torne a definição de tarefas um processo iterativo ao longo do tempo, não apenas um único acontecimento.

  • Seqüencie as tarefas, de forma que as iniciais informem a definição das subseqüentes.

  • Refine as definições iniciais das tarefas o mais rápido possível, antes que sejam assumidos compromissos irreversíveis.

  • Encontre objetos iniciais de cooperação a partir dos quais aprender, e não tente esboçar detalhes completos da agenda de tarefas desde o início.

          Os méritos de encontrar e agir rapidamente em pontos de colaboração inicial são substanciais. Tarefas que parecem indefinidas e desafiadoras no início de uma aliança muitas vezes se tornam mais claras e menos amedrontadoras à medida que o trabalho prossegue. Como no alpinismo, o caminho para a frente pode se tornar mais íngreme à medida que prosseguimos, mas a autoconfiança e o impulso também aumentam: um alpinista intensifica sua forma física e se acostuma com a altitude, e se torna mais disposto a confiar sua vida a seus companheiros de equipe à medida que enfrentam mais desafios juntos. Montanhas são escaladas um passo de cada vez. O valor é criado em alianças da mesma maneira.
          Isto sugere que os primórdios do processo de colaboração podem e devem ser utilizados para estender e validar as suposições de criação de valor da aliança e, assim, aguçar a definição daquilo que precisa ser realizado e quais benefícios são esperados. Temos observado que embora muitas alianças bem-sucedidas se iniciem buscando benefícios específicos, também têm ambições que transcendem a cooperação inicial, seguindo algum tipo de caminho para o seu crescimento. Algumas das alianças mais resilientes e robustas que estudamos derivaram grandes benefícios de um caminho para o crescimento planejado antecipadamente, embora de forma experimental. A aliança GE-SNECMA, por exemplo, passou de um modesto acordo de subcontratação nos anos 60 a uma quase-fusão das atividades relacionadas a motores para aeronaves civis da GE e da SNECMA nos anos 80. Tal abordagem pode ser adotada em relação a planos de crescimento futuro mesmo na fase de negociação, utilizando um acordo existente como base para melhorias ao longo do tempo. Em outras palavras, o acordo existente pode constituir um ponto de partida para melhorias futuras.
          Tarefas de feedback rápido também são úteis na fase inicial. Oferecem experiência em colaboração efetiva e auxiliam a estreitar o hiato de definição de tarefas, um passo de cada vez. Aqui é útil contrastar as abordagens da AT&T e da Olivetti em dois negócios diferentes: uma solucionou o hiato de definição de tarefas; a outra não.
          No caso de sistemas de PABX, os parceiros iniciaram com a contratação conjunta de pesquisas de mercado para chegar a um conjunto comum de suposições de desenvolvimento de mercado. Então programaram uma série de sessões de trabalho, a primeira, com o objetivo de se conhecerem melhor. Os parceiros atrelaram o ritmo de definição de tarefas conjuntas a seu próprio ritmo de aprendizagem sobre mercados, tecnologias e um sobre o outro. Por outro lado, em relação a minicomputadores, esses mesmos parceiros adotaram uma abordagem muito menos realista. Organizaram uma força-tarefa de engenheiros e especialistas de ambos os parceiros para definir toda a tarefa da aliança exata e precisamente em uma única conferência. Isto era claramente impossível. Embora chegassem a desenvolver um plano para uma linha de novos produtos, faltava-lhe credibilidade, e nem os gerentes-chave nem o pessoal técnico estavam comprometidos com sua implementação. A realidade do plano não havia sido testada e, portanto, sua precisão não merecia confiança. É desnecessário dizer que o plano não se materializou, e seu abandono foi um sinal antecipado do fracasso da aliança.
          Em resumo, os primeiros passos no trabalho conjunto devem ser tipicamente pequenos, não importa o quão grandes forem as metas finais da aliança.
          Estes pequenos passos podem ser utilizados para o desenvolvimento de confiança entre os parceiros desde o início, e para aguçar a compreensão das habilidades e a definição de tarefas entre os mesmos.

O Processo de Cooperação

          O processo de cooperação é desafiador até mesmo para os aliados mais dispostos. Como cada um deve cuidar de seus próprios interesses em primeiro lugar, fatalmente existirá uma certa reserva. Na esfera de alianças militares, até mesmo as alianças há muito tempo existentes continham elementos de desconfiança. Nos anos 80, por exemplo, um indivíduo foi preso e condenado por ter passado segredos militares dos EUA aos israelenses. Apesar de décadas de colaboração e compartilhamento de tecnologia de defesa e inteligência militar, estes dois aliados não podiam confiar totalmente um no outro. O mesmo é verdadeiro nos domínios do comércio. Mesmo os parceiros mais colaborativos buscam seus próprios interesses.
          A primeira barreira difícil é a mudança da negociação para a colaboração. Por definição, negociadores são cuidadosos e cautelosos naquilo que dizem e compartilham. Jogam suas cartas com prudência, esperando, como deve fazer todo negociador experiente, ver mais da mão da outra parte do que terão que revelar de sua própria. Assim, quando finalmente passam da negociação para o trabalho em conjunto, cada parte enfrenta um hiato de informações — um hiato entre o que sabe sobre o parceiro e o que precisa saber para trabalhar de forma colaborativa.
          As negociações criam um hiato de expectativas que se alarga se os custos e benefícios previstos da aliança diferirem grandemente ao longo do tempo. Esta dificuldade é aumentada pelo fato de problemas serem encontrados antes da obtenção dos benefícios prometidos, o que significa que os parceiros se defrontam com um hiato de tempo que põe a aliança sob tensão.


O HIATO DE INFORMAÇÕES

Alianças dependem do compartilhamento de informações. A colaboração tipicamente se inicia ao final da sessão de negociação, uma vez que o “negócio” tenha sido fechado, mas negociações raramente preparam os parceiros para a colaboração. As informações não são abertamente compartilhadas em negociações: um negociador esperto tenta obter a maior quantidade de informações possível e ceder nada mais do que o necessário. Alguns tipos de informações, como as que envolvem tecnologias, perderiam seu valor de transação se abertamente compartilhados. Se o provedor da tecnologia fosse fornecer todas as informações necessárias para que o recipiente pudesse avaliar precisamente o valor da tecnologia transferida, já teria entregue o jogo. Em parcerias intensivas em tecnologia ou habilidades, portanto, as informações, sem dúvida, serão assimétricas no início do relacionamento.
          A assimetria de informações, assim, cria um hiato logo no início de uma aliança. E dada a existência de rivalidade intra-aliança, a assimetria de informações provavelmente perdurará por todo o período do relacionamento, O poder em uma aliança depende em parte de quem controla, e de quem utiliza, informações proprietárias. Assim, apesar das melhores intenções, existe um duradouro hiato de informações na maioria das alianças. Argumentar em favor de maior “divulgação” ou maior abertura, portanto, provavelmente é ingênuo. Mesmo assim, se os parceiros compartilharem informações e bases recíprocas nas fases iniciais de uma aliança, serão mais prováveis de fornecer informações voluntária e unilateralmente e, talvez, manter um equilíbrio menos preciso das trocas de informações. Como disse um dos gerentes-chave de uma aliança que estudamos:

          Quando começamos a nos medir mutuamente, dissemos um ao outro, “Mostre-nos o que podem fazer”. Mas nada aconteceu! Aos poucos, à medida que as pessoas se tornavam frustradas, as coisas mudaram para “Se vocês nos mostrarem isto, nós lhes mostraremos aquilo”. Isto funcionou, mas deixou um sentimento de “nós” versus “eles”. Então nos conscientizamos de que tínhamos que mostrar a eles primeiro, e começamos a sobrepujar o sentimento de pertencermos a campos diferentes. Todos finalmente começaram a ver o valor de se compartilharem informações.

          Obviamente, quanto maior o potencial de criação de valor e quanto maior o valor da co-especialização entre parceiros, mais fácil será convencer os aliados a fornecerem informações unilateralmente.
          Compromissos que indicam confiança na capacidade de julgamento do outro parceiro (“Eu vou te mandar meus 10 melhores engenheiros; você decide como utilizá-los”) também ajudam a transpor o hiato de informações. Desde que a aliança tenha desenvolvido flexibilidade suficiente no processo de renegociação e de compartilhamento de seus benefícios para se ajustar a tais informações e avaliação melhoradas, transpor o hiato de informações provavelmente contribuirá para o sucesso da aliança.


O HIATO DE TEMPO

O hiato de tempo é causado por uma diferença no timing dos parceiros dos custos e benefícios da colaboração: dor antes do ganho, mais para um lado do que para outro. Quanto maior o hiato de tempo, mais difícil e problemática será a colaboração. Os primeiros anos da aliança Eurocopter, por exemplo, foram periodicamente sacudidos pela possível perda de compromisso de seus principais clientes militares, primeiro na Alemanha, depois na França, e por incertezas associadas a exportações. Estas perdas minaram a própria lógica do empreendimento, que era criticamente dependente daqueles mercados, e colocou em questão o equilíbrio de contribuições e benefícios entre os parceiros. Apesar das incertezas quanto a seus benefícios futuros, entretanto, os gerentes da Eurocopter tinham que tomar decisões corajosas quanto à racionalização, à co-especialização e ao downsizing.
          O hiato de tempo entre contribuições e benefícios pode diferir entre os parceiros propositadamente. Um parceiro pode, por exemplo, trocar o acesso a uma oportunidade “segura” e relativamente imediata em troca de outra maior, porém mais incerta, no futuro. Empresas farmacêuticas, por exemplo, têm às vezes trocado o co-marketing de produtos existentes por acesso à “cadeia de pesquisas” futura de um parceiro. Nessas situações, um parceiro obtém certos benefícios de curto prazo, enquanto o outro assume compromissos de curto prazo em troca da possibilidade de benefícios maiores, de longo prazo. No que diz respeito ao hiato de tempo, entretanto, estas trocas e compensações podem minar o nível de confiança entre parceiros, criando incentivos para a deserção.
          Trazer um sentido de timing a uma aliança, assim como a cronogramação tanto de compromissos quanto de benefícios esperados (através de marcos e contratos e compromissos contingentes), pode auxiliar a fazer com que os interesses dos parceiros sejam mais resilientes em face do hiato de tempo. A consciência da dimensão tempo é metade da solução para o problema que causa.


Resumo


          A Tabela 6-4 recapitula o significado dos hiatos que identificamos neste capítulo e os motivos pelos quais podem bloquear a cooperação desde o início, suas fontes prováveis e nossas sugestões para melhorá-las. Como indica a coluna do meio da tabela, os hiatos provavelmente serão mais sérios no início de uma cooperação, já que o distanciamento entre parceiros em contextos estratégicos e organizacionais, em habilidades e maneiras de fazer as coisas, e em processos gerenciais, caminha de mãos dadas com a complementaridade. Grandes hiatos freqüentemente separam os parceiros mais complementares. Desunidos, levariam à morte prematura da aliança. A coluna “O Que Fazer a Respeito” resume nossas recomendações sobre como os hiatos podem ser transpostos.
          Um tema comum acompanha nossas recomendações: empresas devem investir em sua compreensão da situação e coletar inteligência sobre parceiros. Devem ver o início do relacionamento com os parceiros como oportunidade para aprender e melhorar. Isto pode ser mais importante do que mergulhar cegamente na implementação de tarefas conjuntas. Os processos efetivos de aprendizagem são analisados no próximo capítulo.




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